“O FC Alpendorada teve mais alma e maior capacidade de superação”


Não há receitas infalíveis, nem contas de matemáticas certas para se chegar a um título, porque o número de variáveis é enorme e porque todas elas pesam, mais ou menos, em determinados momentos de uma temporada. Mas Renato Coimbra, treinador do FC Alpendorada, deixou algumas pistas que se revelaram essenciais, apontou momentos determinantes e não escondeu a importância de ter estado várias épocas aos comandos da equipa para encontrar o caminho para o título. No dia em que o clube recebeu das mãos de José Neves, presidente da Associação de Futebol do Porto, a taça de campeão, o treinador abriu o jogo.

O que vale este título do FC Alpendorada ao cabo de três temporadas e meia, sensivelmente?

A primeira sensação é que aquilo que foi sempre um objetivo assumido – e cada ano à frente da equipa sentia-se cada vez mais – foi alcançado, porque não se mexeu muito na equipa de uma época para a outra. Fomos tentando melhorar ano após ano. Quando vim para o FC Alpendorada, o clube tinha acabado de subir da Divisão de Honra, esta direção estava a chegar e juntos organizamos o clube, tornando-o mais profissional. A Covid interrompeu o campeonato no primeiro ano, no segundo fomos afastados com um penálti e no terceiro atingimos o objetivo. Mas respondendo diretamente é um sentimento de dever cumprido, de objetivo atingido, com o trabalho de muitas pessoas que aqui estão. Estamos de parabéns e felizes, porque se demonstra que as decisões que tomamos e as opções que se fizeram ao longo das três épocas foram importantes e as mais acertadas para chegarmos ao sucesso.

 

Pelos vistos, uma das opções acertadas foi terem-lhe dado estabilidade para trabalhar estas quase quatro épocas consecutivas…

Sim, a minha manutenção em Alpendorada não dependia só de mim, mas da Direção. Acreditaram que eu seria a pessoa certa, mas fomos mantendo a base do plantel, o departamento médico também se manteve e criou-se um grupo de trabalho em que todos remavam para o mesmo lado. Mas sim, essa estabilidade foi fundamental e esta época tínhamos um futebol muito cimentado, todos sabiam o que tinham de fazer, conhecíamo-nos bem uns aos outros e praticamente falávamos só com o olhar. O plantel foi integrando três ou quatro jogadores todas as épocas. Alías, no último jogo com o FC Foz nove eram jogadores que vinham da época anterior e apenas dois tinham sido reforços.

 

Essa estabilidade também serve para explicar as razões que levaram muitos treinadores desta segunda fase da Divisão de Elite a apontar, à partida, o FC Alpendorada como o grande favorito à conquista do título e da subida?

Eu sempre disse que não havia favoritos, que a nossa percentagem era igual à dos outros, mas achei curioso que alguns treinadores apontassem o Alpendorada, não sei se estrategicamente para empurrar para os outros essa pressão e essa responsabilidade, mas nós assumimos sempre este objetivo. Depois de termos conseguido, não acho que o FC Alpendorada tivesse o melhor plantel, ou uma equipa técnica melhor. O FC Alpendorada teve mais alma, acreditou mais, trabalhou muito e de uma forma muito focada. Sabíamos que isto seria decidido nos pormenores e recordo que acabamos com os mesmos pontos que o Rebordosa (29). Mas foi sobretudo uma questão de superação, isso sim, e uma equipa muito competitiva.

 

O FC Alpendorada sofreu apenas uma derrota na Série 3 e outra nesta segunda fase da Divisão de Elite, antes de acabar com uma série de 10 jogos sem perder…

A equipa tem muita qualidade, mas os adversários também a mostraram. Houve muito equilíbrio nos jogos que disputamos, os resultados nunca foram muito dilatados. Mas no caso do FC Alpendorada foi um conjunto de muitas coisas, como treinos muito intensos. Alías, a atitude dos jogadores da primeira fase para a segunda mudou, porque na primeira fase eles perceberam que, com maior ou menor dificuldade, seguiriam em frente e não se estavam a empenhar tanto. Mas a partir do momento em que chamamos o grupo à atenção e exigimos mais, eles perceberam e mudaram. Essa conversa foi muito importante, foi o clique.

 

“Prescindir” das Taças de Portugal e da AF Porto fez parte da estratégia para gerir o desgaste físico?

Fomos eliminados precocemente da Taça da AF Porto, na altura ficamos tristes, mas foi fundamental para o nosso sucesso, porque o nosso adversário, o Rebordosa, fez dois jogos à quarta-feira à noite entre jogos de campeonato, Padroense e Freamunde também. Mas a verdade é que isso nos tirou uma certa sobrecarga de jogos, porque nós só tínhamos de preparar um jogo semana a semana e os nossos adversários dois. No ano passado fomos à final da Taça com o FC Pedroso, três dias depois defrontamos o Barrosas e quatro dias a seguir o Vila Meã e a equipa estava completamente rebentada. Achei que tínhamos sido prejudicados por causa da Taça. Termos sido eliminados não foi propositado, atenção, mas olhando para aquilo que foi a nossa temporada, acabou por ser bom para nós.

 

De qualquer forma, o que é que essas poucas derrotas sofridas acrescentaram à equipa?

Perdemos em Vilarinho na primeira fase e em Freamunde na segunda fase. Tínhamos perdido com a Académica, num jogo em que merecíamos as grandes penalidades, pelo menos. Mais tarde perdemos contra o Candal, a seguir a uma paragem. Mas as derrotas fizeram-nos crescer e a prova está no facto de termos estado muito tempo sem perder a seguir a esses percalços, porque a equipa sentia as derrotas.

 

Curiosamente, numa sondagem feita junto de alguns treinadores da Elite, Postiga, Fábio Rodrigo, Diogo Portela, César e Valdinho foram nomes apontados para compor um onze ideal desta divisão. Sendo os quatro primeiros do setor defensivo, concorda que a qualidade que demonstraram explique que tenha sido difícil marcar golos ao FC Alpendorada?

O Fábio jogou a lateral dois terços da época e nos últimos jogos surgiu como extremo, o César foi de uma ajuda enorme, pela experiência que nos traz. O Portela tinha vindo do CSN, o Postiga fez uma época espetacular, fez um grande trabalho nos últimos anos e é hoje um guarda-redes diferente. Acho que é uma coincidência, mas é verdade que era difícil fazer-nos um golo, porque fomos uma equipa muito organizada e rigorosa.

 

Além disso, terminaram a Série 3 com o melhor ataque das quatro séries da Divisão de Elite na primeira fase da competição, com 46 golos marcados…

Nessa primeira fase, em casa, marcamos muitos golos e acho que foi uma vantagem para nós termos jogado em relva natural a grande maioria das vezes. Na segunda fase fizemos um jogo no sintético com o Gondomar SC B, no início, e outro no final com o FC Foz.  A equipa sentia-se desconfortável no sintético. Mas contamos com excelentes jogadores e isso explica que tenhamos chegado ao título, sem dúvida alguma.

Em que jogos sentiram mais os vossos limites postas à prova?

Houve dois jogos importantes na primeira fase. O primeiro foi em Sobrado e se não tivéssemos ganho, o Ermesinde estava muito perto e íamos ter dificuldades. Depois, em Ermesinde, com eles a precisarem muito de pontos, nós também, empatamos, o que também foi decisivo. Na segunda fase, o jogo que me ficou na memória que ajudou a fazer a diferença foi a receção ao Rebordosa, que vencemos aos 93’, num jogo equilibrado, em que o resultado mais justo até teria sido o empate. Mas também é preciso alguma felicidade em determinados momentos para termos sucesso, mas ali sentimos que a sorte estava do nosso lado, porque marcamos de bola parada numa altura crucial.

 

Que peso tiveram os adeptos nesta caminhada?

Primeiro temos de agradecer à direção, que acreditou em mim, na equipa e nos deu todas as condições para chegar aqui. Em relação aos adeptos, as coisas foram em crescendo, à medida que fomos ganhando, sentimos cada vez mais gente atrás de nós. Em casa, na fase inicial e na segunda fase já era em casa e fora. Lembro-me que em três ou quatro jogos eles foram essenciais e empurraram-nos para a vitória. Fizeram-nos uma festa lindíssima no domingo, a seguir ao jogo com o FC Foz. Tivemos uma grande receção, demos uma volta pela vila, antes de chegarmos ao estádio e sentimos que havia uma comunhão muito grande entre eles e a equipa, pelo que o agradecimento é enorme.

 

Já se sabe que o sucesso também traz uma responsabilidade maior ainda…

Claro que sim, mas ainda estamos a festejar, ainda não conversamos. Esse conta-quilómetros está a zero. Mas as pessoas de Alpendorada são ambiciosas, o clube está bem entregue, tem as pessoas certas no lugar certo, portanto, tenho a certeza que o clube vai continuar a crescer.