“A nossa organização, como equipa e como coletivo, é forte”


O USC Paredes defronta o Fontinha no sábado (17h00) na grande final do Campeonato de Portugal, no Jamor, e o treinador Eurico Couto aponta à conquista do troféu para encerrar a temporada com chave de ouro.

Mas entretanto explicou de que forma a sua equipa conseguiu subir à Liga 3, garantindo que este é um clube que “pensa fora da caixa” e não hesitou em dar condições de trabalho pouco habituais a este nível. No USC Paredes, para além dos treinos, trabalha-se com “mental coaching” e faz-se meditação e o treinador sublinhou a importância que isso teve no percurso da equipa, argumentando que o futebol é hoje “cada vez mais mental” e que foi decisivo para chegar a esta final histórica do Jamor. Aqui, a máxima “Mente sã em corpo são” aplica-se à letra, no dia-a-dia.

 

Talvez seja fácil falar disso agora, mas no arranque da época a subida era o objetivo assumido?

Quando começamos a temporada delineamos que tínhamos de construir uma equipa forte para alcançar os dois primeiros lugares que davam acesso à fase final. Depois sabíamos que, por vezes, mesmo que se tenha uma boa equipa, isso nem sempre é suficiente para garantir a subida. Sempre tivemos essa noção. Mas desde o início, o discurso foi chegar à fase final.

 

Que sinais identificou ao longo da época, que apontavam para voos mais altos?

Há alguns sinais que é importante salientar. Bem sei que é cliché, que dizem isto frequentemente, mas a união foi decisiva. Para mim, isso tem muito que se lhe diga, porque conseguimos construir um grupo forte, capaz de lidar com os defeitos e as virtudes de cada um e esse foi o nosso maior segredo. Fomo-nos conhecendo melhor através de algumas técnicas que a nossa “mental coach” trouxe para o grupo. Isso reforçou e criou uma ligação entre os jogadores dentro do campo, tornando-os mais capazes. Além disso, a nossa organização, como equipa e como coletivo, foi mais forte do que a dos outros e tivemos bastantes sinais disso, nomeadamente com o nosso percurso na Taça de Portugal, que nos elevou o nível competitivo. Ajudou a passar a mensagem de que éramos capazes, porque conseguimos defrontar equipas de escalões superiores e eliminá-las, sem sufoco, estando por cima do adversário. Isso ajudou a equipa a crescer. Nos jogos da nossa série, com adversários complicadas, conseguimos marcar, por exemplo, três golos, o que levou a equipa a acreditar cada vez mais, até que atingimos a fase final.

 

Depois foi só manter o discurso?

Antes do início da fase final disse aos meus jogadores que tínhamos a melhor equipa, que não tínhamos os melhores jogadores. Ninguém era tão organizado como nós, que nenhuma das equipas era como a nossa e que íamos provar isso.

 

Foi difícil gerir o controlo emocional?

Nisso os meus jogadores foram sempre humildes, tirando o terceiro jogo da fase final com o Lank Vilaverdense, em que os egos estavam um pouco alto. Acabamos por perder, apesar de termos feito um excelente jogo, em que até tivemos oportunidades para fazer três ou quatro golos. Mas reconheço que aí achamos que aquilo era tudo nosso. Ainda bem que aconteceu, porque fez-nos cair outra vez na realidade.

 

Nunca terem sido apontados como favoritos à subida também foi uma vantagem?

Digamos que isso alimentou o grupo. Vimos notícias e publicações em vários sitios e o Paredes vinha sempre depois de outras equipas. Mas cá dentro eu dizia que nós éramos os melhores, até antes de começar a fase final. Os jogos e os resultados foram dando razão ao meu discurso. Em Leça devemos ter feito o pior jogo da época e só perdemos por 1-0, contra um adversário que atravessava um bom momento, é certo, mas fiquei com a certeza de que mesmo fazendo um jogo daqueles contra uma equipa forte e só termos perdido por 1-0 queria dizer que a equipa tinha o que era necessário para subir.

 

Volto um pouco atrás só para sublinhar uma curiosidade, quando falou de coaching a este nível. Que peso teve?

Temos sessões que nos são dadas por uma mulher que está cá há ano e meio. Ela desenvolve um trabalho com cada jogador, para depois chegar ao todo. Leva a cabo tarefas individuais e de grupo que, por exemplo, ajudam a gerir melhor as frutrações, o rendimento em campo, a frustração de não jogar e levar a que cada um seja capaz de aceitar melhor cada momento. É fundamental. É alguém a analisar de fora para dentro, uma pessoa com muita sensibilidade, que vê coisas que nós não vemos, gostem ou não, porque é muito importante aquilo que se sente e se vê, porque não olhamos todos para uma situação da mesma forma. Ajuda a que cada um aceite, dentro das regras definidas para que o grupo funcione, que se tomem estas ou aquelas decisões. Também fazemos meditação, algo que muitos estranham, mas que na NBA, por exemplo, já se faz há décadas.

 

O Paredes é uma equipa fora da caixa?

É fora da caixa. Ninguém sabia destas coisas, mas sim somos fora da caixa até nisso. Por exemplo, quando empatamos em casa com o Salgueiros, fomos à Madeira a seguir ao jogo com o Vilaverdense e tomei a decisão de ir falar com o Presidente e disse-lhe que queria levar o grupo todo. Era preciso arranjar forma de fazer isso acontecer, porque era importante para subir. Essa mensagem começou a ser passada no primeiro treino a seguir ao empate com o Salgueiros. Essa convicção foi importante, disse-lhes que íamos ganhar ao Vilaverdense e que a seguir íamos ganhar à Madeira. Só tinha 16 jogadores disponíveis para essa deslocação, mas foram todos.

 

Saber ler esses momentos para voltar a recuperar o grupo é tão importante como treinar diariamente?

É mais importante, porque cada vez mais o futebol é mental. Há muita gente a trabalhar bem a organização e o treino e a preparar sessões muito boas, vai à Internet, estuda, procura soluções, mas depois é importante perceber se é o momento certo para utilizar aquele tipo de trabalho, perceber se ele se enquadra no momento que a equipa atravessa. O timing e a mentalidade é que fazem a diferença, além do plano estratégico do jogo, como é lógico.

 

A regularidade da equipa na primeira fase do campeonato, em que sofreu apenas duas derrotas, foi decisiva?

Foi muito importante, porque a nossa série era extremamente competitiva. Algumas equipas chegaram à fase final com uma distância pontual muito grande para as outras equipas da série e quando fizeram os últimos jogos foi, praticamente, para cumprir calendário, descomprimiram e acho que isso foi mau. Quando entraram na fase final e encontraram adversídades para as quais não estavam preparados começaram a ceder. Aconteceu com o Salgueiros. Connosco fomos obrigados a disputar o apuramento até à última, porque a nossa série foi sempre muito competitiva.

 

O Paredes esteve sempre sob pressão…

Sim, apuramo-nos com um ponto. A duas jornadas do fim, tanto podíamos ter ficado em primeiro, como em terceiro. Aliás, nesta última jornada da fase final tanto podíamos ter ficado em primeiro, como ficar de fora. Isso fez-nos estar sempre focados. Depois também houve outra coisa que nos ajudou, que foi a capacidade de adaptação dos nosso jogadores para jogar em posições que não eram as suas. Na última jornada da primeira fase não tínhamos centrais, foi um médio-centro para lateral esquerdo e dois jogadores não foram além do aquecimento. Iniciamos a segunda fase com dois centrais a lesionarem-se no espaço de cinco minutos. Houve uma série de condicionantes. No nosso último jogo em casa os nossos laterais titulares não jogaram, porque um estava castigado e o outro estava lesionado. O nosso capitão nem ao banco foi. Por isso digo que coletivamente souberam estar em campo.

 

Isso tornou tudo ainda mais saboroso?

Sim, os jogadores dizem isso. Diziam até que com aquilo que nos estava a acontecer íamos ganhar a fase final. Vamos à Madeira e aconteceu igual e eles disseram que iam ganhar na mesma, porque já lhes tinha acontecido noutra fase da época. Isto conta muito, porque faz os jogadores darem ainda mais deles, superarem-se e responderem mutuamente. Isto foi fundamental.

 

Sábado, na final, podem escrever história…

Sim, claro, pode tornar isto tudo ainda mais bonito. Temos consciência de que vamos defrontar uma equipa muito forte, que fez uma fase final muito boa e que vai ser complicado, mas vamos entrar preparados para isso.

 

Têm conseguido gerir o sucesso sem perder o foco?

Sinceramente, acho que ninguém estava muito preparado para isto, porque não estão habituados. Mas é bom, temos de aprender a viver com isto e, uma vez mais, vamos fazer esse trabalho com a nossa coach, que nos vai ajudar a lidar melhor. Já sentimos isso com a Taça de Portugal e soubemos estar sem encher demasiado o peito, digamos assim. Mantivemos a concentração, porque estas coisas deslumbram um bocado. Não gosto nada disto, mas também não posso cortar isso aos jogadores, porque eles merecem algumas entrevistas que vão dando e merecem tirar partido deste sucesso até para melhorar as suas vidas. Mas o nosso discruso vai no sentido de mantermos a concentração até ao fim, porque ainda não ganhamos nada. Sabemos que se chegarmos à final e não ganharmos não vai ter o mesmo peso, queremos a taça, temos uma vontade muito grande de ganhar.