“A guerra uniu a Ucrânia como nunca!”


É impossível não sentir um clima de ansiedade e um nervoso miudinho a pairar no ar, pela forma como Max Lapushenko articula as palavras. O defesa ucraniano do Leça FC deixa transparecer uma sensação de impaciência, no meio de um discurso debitado quase a um ritmo frenético. É esta a imagem de um homem afetado, ou pelo menos a sensação que deixou transparecer, indisfarçavelmente perturbado com a guerra na Ucrânia. “Estou preocupado e triste, não sei como isto vai acabar”, começa por dizer o defesa do emblema de Matosinhos, num português quase perfeito que só o sotaque trai na entoação. “Mas é tudo muito difícil. Quando via estas guerras acontecer no Irão, no Iraque, ou na Síria, parecia que era noutro Mundo ou em outro planeta. Mas agora que acontece no meu país nem quero acreditar. Estive lá no Natal e na passagem de ano e estava tudo tranquilo. Agora vejo as imagens e fico triste com a destruição”, lamentou. O choque é grande e o jogador não o nega: “Nos primeiros dias parecia que não estava cá, mas há uns dias para cá estou um pouco melhor, embora sempre preocupado com o que se passa”.

No entanto, Max quer acreditar que vai acabar tudo bem, “tenho lá muitos familiares e amigos, alguns são antigos jogadores de futebol, que agora estão a tentar defender o meu país”, conta. “Tento tentado ajudar o máximo possível daqui”, acrescenta. Mas do que Max não se pode lamentar é do destino. “Dou graças a Deus, porque fiz anos em fevereiro, no dia 19, fiz 30 anos, e tinha convidado os meus pais e a minha sogra para vir a Portugal festejar. Depois da guerra ter rebentado ficaram por cá. Mas estão preocupados, porque têm casa e a vida deles lá e de um dia para o outro pode desaparecer tudo”, lembra, também ele apreensivo.

Por esta altura, o que mais o têm preocupado são os que lá estão. As tentativas de contacto são diárias e a angústia enorme, quando só responde o silêncio… ou as mensagens não entram. A espera é exasperante e o desespero é difícil de controlar. “Tento manter o contacto com alguns amigos que tenho lá, mas eles nem sempre respondem. Quando estão no búnquer não têm rede e torna-se impossível contactá-los, mas geralmente, quando voltam à superfície respondem, ligam, pergunto como estão e tento ajudar com o possível, enviando dinheiro, medicamentos ou outra coisa que eles me peçam”, partilha.

Mas há amigos e… “amigos” e a guerra tem-se encarregado de desmascarar muita gente. “Tenho alguns amigos russos, muitos anti-Putin e outros que não ligam a política. Mas houve quem partilhasse nas redes sociais o seu apoio ao Putin e esses…, porque não consigo assistir a estas coisas, quando sei que os meus amigos e familiares na Ucrânia sofrem, enquanto levam com róquetes… isto parece um filme”, revela Max Lapushenko.

“Até alguns familiares que tenho na Rússia tive de bloquear nas redes sociais, porque estavam contra a Ucrânia, diziam que nos queriam proteger do nosso governo, que é errado. Mas qual governo errado! Neste momento o nosso presidente tem mais de 90 por cento de apoio da população, nunca nenhum presidente teve este apoio. A guerra uniu a Ucrânia, uniu as pessoas como nunca. O Putin pensou que a Ucrânia se ia ajoelhar, mas o nosso país soube armar-se nos últimos oito anos e está a defender-se muito bem. Passaram-se oito dias e continuamos a lutar, acredito que vamos ganhar”, acrescenta.

O defesa do Leça FC sabe de fonte segura que o consulado ucraniano, no Porto, tem recebido inúmeras chamadas de portugueses a pedir informações com a intenção de se alistarem e ir combater para a Ucrânia. Era inevitável perguntar-lhe se já tinha sentido o mesmo impulso. “Confesso que já me tenho colocado essa questão várias vezes, depois penso nos meus filhos… já vivemos aqui há sete anos. Mas estamos a enviar ajuda para lá, medicação, comida, roupa, dinheiro, enfim, acho que acaba por ser outra forma de ajudar a fazer a guerra, outra forma de lutar. Nunca peguei numa arma, não sei lutar, não sei fazer nada disso…”, reconhece. Felizmente para Max, o apoio dos jogadores e dos que o conhecem tem sido grande e tem ajudado a aguentar. “Todos me fazem muitas perguntas, querem saber se é verdade o que mostra a televisão, porque tenho informações diretas de lá. Mas todos me ajudam. Aqui no Leça esperam que o Putin morra”, atira, com um breve sorriso a desenhar-se no rosto.

Mas as notícias do conflito e a ajuda à Ucrânia rapidamente voltam a ser tema. “O Mundo já fez muita coisa, mas tem de fazer mais. As últimas notícias dizem que as sanções fizeram desvalorizar o rublo, depois de tirarem a Rússia do sistema SWIFT. As empresas multinacionais bloquearam os negócios com a Rússia e eles deixaram de poder viajar, o que é bom para os desgastar”, sublinha. Mas a esperança de ver a Ucrânia entrar na União Europeia é o que mais o entusiasma: “Já houve reuniões e uma assembleia na Ucrânia para isso e acredito que podem entrar na União Europeia o mais breve possível.

Assim aquele maluco do Putin já é capaz de pensar duas vezes, porque é como estar na NATO e se eles continuarem a atacar, acredito que a Rússia pode sofrer muito com isso. Mas gostava que o Mundo se unisse contra o regime de Putin e nos ajudasse a ganhar este conflito, porque a Ucrânia só quer ser um país democrático e fazer parte da União Europeia. É um país grande que também seria do interesse da União Europeia ter entre os que já lá estão”. Max não tem dúvida que esta é, em grande parte, uma luta da democracia contra uma ditadura. “O regime russo é do passado, do Lenine, do Stalin… essa época já passou, hoje vive-se a democracia, todos dependem de todos, têm negócios uns com os outros, interesses mútuos.

Eles ainda vivem com a mentalidade de há mais de um século atrás, não faz sentido”, defende. “Os próprios russos manifestarem-se contra o Putin e fazem muito bem, mas a estrutura política e a polícia estão todas controladas pela ditadura e as pessoas têm medo. Sei que muitas mulheres dos militares russos se manifestam contra a guerra, pedem o fim da guerra para que os seus maridos voltem para casa, até as crianças. É um absurdo o que está a acontecer”, desabafa.