A 26 de maio de 2021, a vida de Mário Brito, presidente do Freixieiro, mudou quando deu entrada nos cuidados intensivos por causa da Covid-19, que acabaria por arrastá-lo para uns longos 45 dias de coma. Mal se suspeitava que esta mudança súbita na vida do timoneiro do emblema de Matosinhos seria também um ponto de viragem para o Freixieiro, clube que dirige há quase 42 anos, que teve de apertar o cinto e mudar completamente de realidade.
Clube histórico do futsal em Portugal, com 17 participações na I Divisão Nacional e uma na Liga dos Campeões, o Freixieiro, que na altura terminava a temporada na II Divisão Nacional e se preparava para descer mais um escalão por força de uma reformulação dos quadros competitivos, também passou a viver “ligado às máquinas”.
O futsal masculino sénior viu-se obrigado a fechar e o futuro apresentava-se em tons cinzentos, com poucas perspetivas de sobrevivência, valendo, na altura, a equipa de juniores em competição para manter as portas abertas.
“Cheguei ao balneário para dizer aos seniores que o Presidente estava internado e que não íamos ter dinheiro tão cedo e… fiquei com três atletas apenas. Todos os outros foram embora. Portanto, está visto o que é o amor à camisola… Custou acabar, tentamos tudo, mas as portas fecharam-se. A partir dali partimos para a formação a custo zero, começamos logo no dia seguinte a trabalhar. Falei com o Hélder, que é o nosso coordenador técnico, a esposa tem jeito com os computadores e fez-nos a certificação em três meses. Nesta altura, somos centro básico de formação, mas para o ano com as equipas que vamos ter a competir, vamos ser entidade certificada de três estrelas, pelo menos”, conta o vice-presidente Pedro Reis.
Enquanto os dirigentes lutavam para manter o Freixieiro no mapa do futsal, Mário Brito lutava pela vida, mas já não evitaria algumas sequelas da Covid-19. “Quando apanhei Covid, a minha mulher, que é uma mulher de armas, viu cair-lhe tudo em cima. Passado dois dias do meu internamento foram-lhe perguntar se o Freixieiro ia fechar… Precisei de aprender coisas tão básicas como beber água, comer e falar. Quando tive alta, passei a fazer fisioterapia para recuperar alguma estrutura muscular para voltar a andar, porque o meu corpo esteve desligado muito tempo. Pedi sempre aos médicos para serem sinceros comigo e me dizerem a verdade, que eu saberia encarar as coisas. Já me disseram que nunca mais recupero a cem por cento e que não vou conseguir voltar a trabalhar, por isso, vou tentar dedicar-me ao Freixieiro para passar o tempo”, explica o presidente.
“Só retomei as minhas funções no Freixieiro no passado mês de fevereiro. Mas na primeira reunião que tive com a minha Direção, quis que ficasse em ata o reconhecimento e a gratidão aos meus colegas e aos órgãos sociais, porque tudo fizeram para evitar o encerramento do clube. Para quem está a dirigir este clube, vai fazer 42 anos, não é fácil. Perderam o timoneiro, mas foi graças a eles, que aguentaram com dificuldade, que se evitou que o Freixieiro fechasse”, acrescentou ainda Mário Brito.
Apesar de um contexto tão adverso, nunca terá passado pela cabeça de ninguém atirar a toalha ao chão. Hoje, o projeto de recuperação do clube chama-se “Renascer” e talvez nunca como nestas circunstâncias a palavra se aplicou tão bem. “Estamos a renascer, sim, inscrevemos recentemente, cinco equipas na Associação de Futebol do Porto. Na última época só tínhamos juniores, depois de nos vermos obrigado a acabar com os seniores, porque não tínhamos como aguentar uma despesa tão grande na II Divisão Nacional. Íamos descer, mas a intenção era competir. Foi uma grande dor termos chegado a esse ponto. Para nós era importante não deixarmos morrer os seniores. Mas se calhar só voltamos a estar aqui hoje, precisamente porque estivemos uma época sem equipa sénior. É que manter uma equipa nos nacionais é caríssimo”, sublinha o vice-presidente Pedro Reis.
“Sem dúvida. A prioridade é a formação e os seniores vamos ver com o tempo, porque descer é rápido, subir é outra conversa. Nesta altura só queremos ter o clube a competir”, completa o Presidente. “Mas agora estamos aqui de espírito forte para retomar o futsal sénior e vamos voltar a ter um Freixieiro a competir com uma equipa sénior na I Divisão Distrital”, afiança Mário Brito, tudo sem pressas de subidas, mas com prioridade à formação e aos jogadores do clube. “A finalidade do nosso projeto é levar o clube a não depender de ninguém e no caso dos seniores, depender apenas da nossa formação. Atualmente, 80 por cento da equipa júnior, que acabou a época passada, está nos seniores e é com eles que vamos jogar. Não tínhamos base, nem academia. Mas no ano passado conseguimos formar uma academia com 49 atletas e temos vindo a aglutinar iniciados, juvenis e juniores”, explicou Pedro Reis.
Recentemente, a Câmara Municipal de Matosinhos criou uma plataforma que promete ajudar os clubes do concelho. “Através desse programa da Câmara será atribuída uma ajuda financeira, que será maior, quanto maior for a representatividade de atletas do concelho de Matosinhos nos clubes. Vamos receber 100 euros, por ano, por cada atleta, é uma belíssima ajuda, mas isso não chega. Com a academia vamos ter outras receitas, porque também vamos dar condições para formar crianças. Mas nesta altura, o Freixieiro tem receitas para não pedir nada a ninguém”, garantiu Mário Brito, cujo azar mostrou quem vive as coisas com paixão e carolice. “É nas dificuldades que se vê quem é Freixieiro. Mas acredito que pelas pessoas de cá, o Freixieiro estava fechado”, lamenta.
Ainda assim, bastou anunciar o regresso da equipa sénior para que não faltassem interessados em jogar no clube. “Tive propostas de atletas que nos abandonaram que queriam voltar, mas quando precisamos ninguém nos ligou. Hoje podia formar quatro equipas seniores, mas recusamos muita gente. De qualquer forma, só mostra que o Freixieiro continua com a sua reputação intacta”, insiste Pedro Reis.
O mítico pavilhão do “choradinho” promete voltar a viver emoções fortes, as mesmas emoções que projetaram o Freixieiro para os grandes palcos. “Mas aqui não somos de chorar, somos mais de trabalhar!” remata Mário Brito. A verdade é que na hora do aperto valeu ao Freixieiro a paixão e a carolice dos seus dirigentes para ficarem na história do clube como aqueles que resgataram o emblema de Matosinhos do precipício.