Carlinhos Macave: Do restaurante ao hat-trick por um sonho


Carlinhos Macave joga na equipa B do SC Salgueiros e deixou Moçambique há três anos para correr atrás de um sonho: jogar futebol. Embarcou para Portugal com 18 anos, atirado às feras, embora aconselhado pelo irmão mais velho, que lhe apontava oportunidades que dificilmente iria ter em Maputo. Longe da família, completamente fora da zona de conforto, acabou por aproveitar para prosseguir os estudos e nesta altura, aos 21 anos, só depende da conclusão do estágio para tirar a licenciatura em desporto.

Pelo meio, acabou por ir parar ao Salgueiros, mas à custa de uma história que dava um bom guião para um filme. Depois de duas temporadas em Bragança, na equipa dos africanos, enquanto ia estudando, acabou por ceder ao irmão. “O meu irmão já me tinha dito que precisava de me mudar para o Porto, porque em Bragança não havia tantas oportunidades para jogar ou trabalhar. Um dia acabei por arranjar maneira de fazer umas captações na equipa B do Salgueiros”, contou e viajou para o Porto.

Quase de um sopro, o moçambicano debitou a história. “À medida que ia treinando, fui-me apercebendo que havia extremos para os dois lados e acabei por ser dispensado pelo mister. Cheguei a ir falar com ele no final do último treino, pedi-lhe para ficar, ele ainda conversou com os outros treinadores do clube, mas não ficaram comigo”, recordou. Desiludido, Carlinhos tinha de encaixar um rude golpe, porque o sonho de jogar futebol estava mais longe. Mas foi nos dias seguintes que o destino entrou em campo. “A certa altura, estava a trabalhar no restaurante, sentaram uma mesa de quatro pessoas no meu turno e eu fui meter a cadeira para uma criança que vinha junto. Foi quando ouvi chamar Carlinhos, levantei os olhos e era o treinador Mário Ferreira”, partilhou, ainda com o olhar a brilhar.

Depois de uns momentos de hesitação, Carlinhos recompôs-se e fez o seu trabalho. “Fui completamente apanhado de surpresa, não tinha reparado nas pessoas, mas servi a mesa, como faço com qualquer outro cliente. A seguir ao jantar voltei a conversar um pouco com o mister e insisti com ele para que me desse uma oportunidade e acabou por me dizer para aparecer no treino de terça-feira”, contou.

Na primeira semana, Carlinhos treinou sempre com a ansiedade de perceber se ia conseguir convencer os responsáveis do Salgueiros. Mas não lhe disseram nada até que, antes de começar um treino da segunda semana, o treinador lhe disse para ir ter com ele no final. “Senti-me um pouco inseguro e tenso. Treinei com aquilo na cabeça, sempre cheio de dúvidas e de perguntas. No final fui ter com ele e disse-me que havia males que vinham por bem e que tinham decidido que podia ficar no Salgueiros. Foi uma grande alegria para mim”, partilhou, respirando fundo, como se tivesse acabado de ouvir a notícia. “Foi uma grande alegria!”

A primeira etapa estava conseguida, mas o desafio seguinte não seria mais fácil, bem pelo contrário, porque a equipa estava montada e havia que lutar por um lugar no ataque da equipa B do Salgueiros. “O campeonato começou, mas não pude ser utilizado logo, por causa da inscrição, mas a partir da terceira jornada já era opção. Entrei contra o Leixões, nos minutos finais, depois fui aumentando o meu tempo de jogo nas jornadas seguintes”, recordou. Até que veio o jogo com o FC Maia Lidador B, que liderava a Série 1 do Campeonato Distrital da II Divisão da Associação de Futebol do Porto. “A oitava jornada foi a minha estreia a titular e fiz um hat-trick. Vencemos 4-1 e subimos ao segundo lugar. Quando marquei o primeiro golo fui a correr agradecer ao mister, porque sem ele não estaria ali. No segundo agradeci aos adeptos. Fiquei muito feliz!”

Na jornada seguinte, Carlinhos voltou a merecer a confiança de Mário Ferreira e manteve a titularidade contra o Águias de Gaia. “Voltei a marcar um golo que acabou por ser anulado”, lamenta. “Foi injusto, foi um erro da equipa de arbitragem, mas pronto, acabamos por golear 4-0, afinal isso era o mais importante”, sublinhou.

Depois da alegria veio o azar e uma lesão no último treino da semana seguinte afastou-o das opções durante o mês de dezembro. Sem poder jogar e com a quadra festiva de final de ano, Carlinhos aproveitou para ir a Moçambique visitar a família que não via há três anos. “O meu plano inicial é jogar à bola, é o meu sonho. Tirei desporto, porque tem a ver com a minha área, é o que gosto. Mas fiz formação no Costa do Sol, em Moçambique, dos iniciados até aos juniores, onde fui treinado pelo mister Horácio Gonçalves. O presidente tinha uma proposta de contrato para mim, mas já tinha marcado a viagem para Portugal para estudar. Não tinha representante e o meu irmão aconselhou-me a ir estudar e tentar jogar em Portugal e foi o que fiz”, retomou Carlinhos, com os olhos perdidos, como se estivesse a reviver aquelas decisões todas. “Nunca pensei ser treinador, mas gostava de ser “Personal Trainer” ou tentar fisioterapia. A outra opção passaria por dar aulas. Mas o futebol é a minha prioridade para já”, acrescentou, como se tivesse voltado à realidade.

O que não param são os desafios da vida. “Cheguei ontem [quinta-feira 5 de janeiro] e ando à procura de casa. Para já vivo em casa de um amigo, continuo a trabalhar, não é fácil, mas sei que tem de ser assim. É chato quando tento seguir o meu sonho, porque é difícil conjugar as duas coisas. Mas quero chegar à equipa principal do Salgueiros e depois tentar outras divisões. Sei que a concorrência é muita, mas se estás concentrado, focado, e acreditas naquilo que fazes, sentes-te melhor, mais leve e mais confiante para lutar por aquilo que queres. Neste momento só penso em conquistar a confiança do treinador e das pessoas do Salgueiros, porque sozinho não vou conseguir”, rematou.